quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Divagações Sobre a Atemporalidade

Outro dia estava navegando pelo Rate Your Music e vi algo que me deixou extremamente curioso e me fez pensar em algumas coisas. Como todo aficcionado por listas, fui dar uma olhada na de melhores discos por década (de 50 até a primeira do século 21).

A lista é baseada na nota que os leitores do site dão aos discos e provavelmente deve considerar também a quantidade de avaliações que o disco tem para ficar mais coerente. Se não me falha a memória, nos anos 50 era um Miles Davis, nos 60 o Revolver dos Beatles, nos 70 o Blood On The Tracks do Dylan, o Doolitlle do Pixies nos 80, o Ok Computer do Radiohead estava no topo dos 90 e para a minha surpresa, na primeira década desse século, o líder era o Live At Massey Hall do Neil Young!

Você pode perguntar: "Qual a surpresa? Um artista como o velho Neil não pode lançar um disco e estar no topo em pleno ano 2007?". Claro que pode, mas a minha surpresa é que o live é datado de 71! Isso mesmo! 36 anos depois de gravado, um disco vê a luz do dia e se torna um clássico instantâneo!

Alguns argumentariam que este não deveria ser considerado um disco desta década, mas isto pouco importa. O resultado desta votação (que não é encerrada, qualquer um pode entrar lá, avaliar qualquer disco e dar sua nota, fazendo com que o resultado esteja em constante mudança , mas é claro que com o tempo algumas tendências se confirmam) por si só já é impressionante. Basta imaginar se algum disco gravado hoje, por algum artista atual e lançado quase 4 décadas depois, estaria, em 2043, sendo considerado como o melhor da década de 40. Duvido muito.

Já ouvi muita gente chamando Neil Young de simplista e desleixado, mas e daí? O que temos que pensar é se seria possível a obra de um artista resistir tanto ao tempo assim? E mais: ser inovadora fora da sua época e, depois que tantas pedras rolaram, ser considerada a melhor obra da atual década?

A explicação para isto é a seguinte:

Este ano de 1971 viu a melhor fase da carreira de Neil Young, ele havia lançado o After The Gold Rush e preparava o Harvest, seu trabalho comercialmente mais bem sucedido, tanto que no próprio ao vivo, ele já revela alguns esboços do que viriam a ser alguns dos clássicos de Harvest (Old Man, A Man Needs a Made, Heart of Gold, The Needle and the Damage Done e There´s a World).

Até aí nada de novo. Mas experimente juntar a melhor fase de um artista com o fato deste artista ser um dos mais geniais da história da música! Aí você já chega em uma matéria bruta que tem o potencial de se desprender de sua época e que vai se transformar em um produto atemporal e que, por mais que o tempo insista em passar, nunca vai soar datado.

Alguns dos meus artistas favoritos já haviam provado que podem fazer isto: fazer algo à frente do seu tempo. Os discos do Velvet Underground fazem muito mais sucesso hoje do que na época de seus lançamentos, no final da década de 60. David Bowie faz tanto sucesso hoje quanto fazia antigamente, sempre se reinventando. Beatles e Stones são casos à parte, já que viraram ícones definitivos do universo pop.

Mas Neil conseguiu ser o mais brilhante artista em 2007 com algo feito em 1971! E isto não veio de graça. O cara é um dos que nos justifica quando falamos que rock and roll também é arte. Assim como as pinceladas de um artista sobre uma tela que pode vir a ser uma valiosa obra de arte anos depois, são os dedilhados de Young em seu violão, são os seus dedos correndo pelo piano, é a sua voz resmungando baixo entre uma canção e outra, é a sua voz transbordando emoção ao cantar a sua alma em cada uma das músicas. E, tocando sozinho naquela noite, Neil Young fez uma obra de arte. Ou melhor, ele mostrou uma obra de arte: ele mostrou a sua alma.

por I'm Not (T)here

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